Tão importante quanto encontrar o amor da nossa vida, é descobrir um trabalho que nos complete e realize. Por isso te escrevo essa carta, trabalho da minha vida. Sei que você não é perfeito – e talvez nem exista – mas, já que passamos tanto tempo juntos, já está mais do que na hora de discutirmos nossa relação.
Minha busca por você começou aos 16 anos, entre páginas do Guia do Estudante, conversas com conhecidos e até um curso vocacional. Tudo isso ajudou. Fui muito fiel a mim mesma quando decidi estudar comércio exterior. O mercado de trabalho, porém, me apresentou algo sobre o qual nenhum catálogo de profissões ou curso vocacional poderiam ter me dado a resposta: o estilo de vida que eu queria ter.
Foi aí que nossos atritos começaram, eu sei. Nem precisei de muitas horas/bunda no escritório para começar a sentir o aprisionamento que o mundo corporativo provocava em mim. Formalidades, politicagens, crachá até prá ir ao andar de cima, formulário prá sair 15 minutos mais cedo… Todos dias, naquele mesmo lugar, com as mesmas pessoas. Assim passavam as semanas, os meses, os anos… A vida.
Mas essa foi a área que eu mesma escolhi, com todo o livre-arbítrio que julgava ter. Seria no mínimo incoerente ficar praguejando contra o resultado das minhas próprias decisões. Ser adulto deveria ser isso, afinal. Melhor baixar a cabeça, trabalhar duro e focar na minha ascensão na escada corporativa. Isso é o que todo cidadão de bem faz, é com isso que a maioria dos meus amigos se ocupa. LinkedIn tá aí prá provar.
E assim fiz durante anos, dividindo minha energia entre a correria do trabalho e meus esforços para se enquadrar num mundo que, no fundo, sempre suspeitei que talvez não fosse o meu. Segui toda a cartilha do universo corporativo: fui produtiva, fiz hora extra, fiquei estagnada, fui promovida, me senti injustiçada, pedi aumento. Vesti a camisa da empresa e até briguei por ela. Trabalhei em empresa estrangeira no Brasil, empresa brasileira no exterior, empresa turca na China e até filipina na Austrália. Pedi demissão, pedir prá ser demitida, fui demitida ser pedir…
Culpava a cultura das empresas, cujos valores eram sempre diferentes dos meus, e assim tentei processos de seleção rigorosíssimos em programas de trainee no Brasil todo, na expectativa de encontrar uma empresa moderna que tivesse mais a ver comigo. Cheguei quase lá, mas nunca lá. E sabe de uma coisa? Cansei de tentar convencer os outros de que eu sou a candidata ideal, de que eu tenho mais experiência. Sempre vai ter um concorrente que fez pós-graduação em Cambridge, estagiou no Vale do Silício ou fez voluntariado no Camboja (ok, talvez nem tanto). A verdade é que eu não sou a melhor candidata. Seria por isso, emprego da minha vida, que você não apareceu?
Se o motivo for ingratidão, fique sabendo que reconheço a importância de todas experiências que tive, afinal me preparei, criei expectativa e fiquei nervosa na disputa por cada uma delas. Não demonizo o mundo corporativo. Pelo contrário, admiro um sem-número de empresas bacanas, e todo o pessoal que toca elas. Trabalhei com funcionários honestos, unidos e competentes; pessoas com histórias inspiradoras, que me fizeram acreditar que é possível sim alinhar sonhos pessoais com os projetos da empresa, e crescer junto com ela.
Mas, trabalho da vida, se para fazer parte desse projeto eu preciso abrir mão de tantas coisas importantes para mim, há algo de errado nisso. Você precisa entender que os tempos mudaram. O modelo de trabalho que satisfazia nossos pais já não nos serve mais. As gerações do momento pouco se importam com o pacote de estabilidade e fidelidade, nem com modelos hierárquicos prá lá de ultrapassados. Serão produtivas e motivadas desde que se sintam valorizadas, estejam engajadas e tenham um propósito.
Hoje finalmente tenho a autonomia que tanto quis ter. Ainda trabalho em uma empresa, mas não na empresa. E isso, para o bem e para o mal, tem feito toda a diferença. Minha rotina, visitando clientes, me permite ter um almoço prolongado, ouvir música e ter controle sobre um dos maiores motivos de desavenças no mundo corporativo: o ar condicionado. Sou uma daquelas pessoas que tanto invejei correndo no parque de manhã cedo, não preciso me encolher toda ao telefone quando a ligação é particular, nem marcar depilação escondida dos colegas de baia. Se quiser, posso até chorar durante o expediente sem que isso coloque em risco minha reputação profissional.
Por outro lado, confesso que com frequência tenho dificuldade em administrar tamanha liberdade, o trabalho acabou caindo na rotina e sinto muita falta de ter sempre alguém me chamando pro almoço. Abri mão do senso de pertencimento que as equipes trazem, e da enorme falta que isso faz, uma vez que somos todos seres de natureza gregária. Tenho saudade até do conforto do escritório quando chove e da polêmica sobre qual pizza pedir. E por essa insatisfação constante, trabalho da minha vida, que temo que você não exista.
Quando você aparecer, se aparecer, por favor não tire de mim o que tenho de mais importante. Assim como o amor da minha vida, o trabalho da minha vida também precisa permitir que eu seja autêntica, espontânea e me mantenha fiel a minha própria identidade. Por favor, seja flexível comigo, me deixe ir embora mais cedo e escapar do trânsito quando for dia de jogo. Deixe-me trabalhar de casa, de pijamas, se a chuva for escaldante – ou se eu não estiver disposta a, por um dia, a ter a companhia dos meus colegas. Teria trocado fácil um dia de pagamento por uma tarde baratinha no cinema com minha mãe. 10 horas por dia, todos dias, sem flexibilidade, é enfadonho demais. Temos também uma viva a viver. Agora!
Trabalho da minha vida, preciso de você. Onde é que você está? Já te procurei no remoto deserto americano, na região industrial de Porto Alegre, na grandiosa Nova York, em grandes cidades urbanas da Europa… Já trabalhei até mesmo na China, e nada de você me encontrar… Se o encontrarem por aí, atrás de uma Natália, avisem ele que estou aqui na Austrália.
Estaria eu perto de te encontrar? Será que é tanta andança, o que te faz difícil de se achar? Ou terei eu mesma, que a você criar?
Texto: Natália Godoy – Imagem: @luce.cannon
Republicou isso em Perfeita Assimetria.
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Que texto perfeito!!!!
Parabéns…
Vc representa muitas de nós com esses sentimentos!! hahaha… Qnd vc fala de modelos hierárquicos ultrapassados… Putz, melhor parte!!!! Eu me deprimo com isso…
Mas acho que a vida é isso, um ter e não ter contínuo!!!
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que lindo! me sinto assim tambem 😦
só não procurei por tantos locais, atualmente tb to na Austrália, mas acho que ele tb nao esta aqui rsrsrs
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Nossa, esse teu texto me descreve! Eu me sinto igualzinha a você…te descobri ontem e ja li seu blog quase todo e te add no snapchat haha você ganhou uma fã!
Bjs,
Polly
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Aaaah, tâmo juntas Polly 😉 Brigada pela mensagem, minha fã hehe 🙂 Beijão!
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The genius store caeldl, they’re running out of you.
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Cool
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