Achei que tivesse me livrado do vício. Mas estava enganada.
Hoje faz duas semanas que cheguei em Melbourne. Em Sydney, a cidade de onde partimos, o sol brilha e a temperatura é de 24°C. Com sorte, faz mais de 10 na cinzenta Melbourne. Pelos próximos 6 meses, trocamos a vida num bairro sereno e isolado no litoral por um apartamentinho no agitado centro da capital cultural Australiana. Só senti o impacto real dessa mudança agora pouco, quando fui estender roupas na sacada eternamente empoeirada, sombria e barulhenta (onde voltarei a colocar os pés daqui umas semanas, quando as toalhas finalmente estiverem secas). A cada escasso raio de sol que entra no apartamento, sorrio feliz e chamo a gata pra mostrar. O Kane, meu marido, segue trabalhando na mesma empresa, porém na filial do estado de Victoria. Eu vim junto por causa dos efeitos da droga, que usei pela última vez em Sydney. Foi ela que me fez acreditar que eu deveria partir.
Sei o que você deve estar pensando. Sei que já tenho 30 anos e está mais do que na hora de sair dessa vidinha. Sei que a droga impede as pessoas de criar raízes, estabelecer a vida em um lugar só e muitas vezes até de evoluir profissionalmente.
Pra quem não conhece a droga, ela vicia através da adrenalina trazida pela mudança e por recomeços, deixando os usuários num desejo eterno por movimento constante. Eu quis experimentar pela primeira vez aos 15, mas me tornei usuária aos 18. E graças a ela, tive os vinte e poucos mais incríveis que uma pessoa pode ter.
Sim, ao entrar na minha terceira década de existência, estou tentando me livrar do vício. Desde que cheguei na Austrália, há 4 anos, nunca mais havia consumido a droga. A minha resistência em partir de Sydney para Melbourne se deu justamente por eu já estar “limpa”. Depois de todos esses anos morando em uma cidade só, estava começando a criar vínculos, desenvolvendo um networking… Até já andava sem o auxílio de mapa…
Sem o uso da droga, congelar tudo isso para recomeçar a vida em outra cidade, e meses depois recomeçar tudo de novo em Sydney, me parecia um tanto custoso, tanto do ponto de vista emocional quanto prático (como pude comprovar nos últimos dias organizando mudança e procurando lugar pra morar). E de fato foi desgastante. Não sei se conseguiria ter feito sem o uso dela…
Durante os últimos 12 anos em que estive sob o efeito da droga, a cada 3 anos eu mudava de cidade, nem que fosse temporariamente. Ano passado, sem perspectivas de ir a lugar nenhum, tive uma espécie de crise de abstinência. A ela se misturou uma crise dos 30 e um monte de outros problemas num engodo-nada-divertido-de-inferno-astral-permanente-que-graças-a-deus-está-passando. Mas enquanto essa nuvem negra pairava sobre mim, teve um dia que me flagrei reclamando de Sydney, uma cidade tão merecedora de meu amor e admiração… Foi quando me certifiquei que meu organismo realmente estava limpo de verdade…
Antes que você queira experimentar a droga, devo alertar que, ao contrário do que pregam esses entorpecentes, mudar de bairro, cidade, estado ou país nunca será a resolução pros problemas de ninguém. É inclusive mais provável que seja uma fuga que camufla conflitos muito mais complexos. Embora o uso dessa droga atinja em grande parte viajantes e expatriados, qualquer indivíduo corre forte risco de entrar nesse mundo. Afinal é fácil cair na ilusão de que a felicidade está sempre na next destination: próxima cidade, próximo emprego, novo amor, ano que vem, carro zero, vestido novo…
Em contrapartida – e mesmo não estando totalmente sóbria -, não posso negar a renovação que sofro toda vez que mudo os ares. Meu encantamento com Melbourne anda num romance tãão dor de barriga no melhor estilo casal-que-recém-se-conheceu-mas-sempre-se-amou (pelo menos tenho o respaldo do fato de Melbourne ter sido eleita a melhor cidade do mundo, então me deixem). Talvez eu estivesse nessa good vibe em Sydney também, se é que a felicidade é um processo tão interno quanto dizem. (Duvido que quem lançou essa teoria já tenha pisado na Síria…)
Cabe a mim aproveitar ao máximo essa empolgação inicial, porque em breve os efeitos da droga vão acabar, e os dias nublados ficarão cada vez mais frios e cinzentos…
Mas até lá já estarei acostumada com a vida em Melbourne. Não apenas estarei andando sem mapa como também saberei de cor todas prateleiras do mercado, onde achar produtos brasileiros, o melhor lugar pra estacionar, o café mais gostoso…
E então será hora de partir de novo…
E quem sabe me tornar uma ex usuária?
“A distilled sense of oneself in relationship to the world is the real expat drug. But this isn’t toxic. It’s a fantastic way of experiencing life.” Rashmi J. Dalai
Texto 1 da série Imigrante Migra, onde Sua Conterrânea escreve sobre seu “intercâmbio” de 6 meses em Melbourne.
Quer saber mais sobre esse estilo de vida tão viciante e interessante? Leia aqui.
Texto Natália Godoy – Imagem: arquivo pessoal
Fundemos um grupo de apoio, Natália. Poderia se chamar “dromomaníacos anônimos”, rs.
A coisa tá séria pro meu lado também. Em breve, dizendo adeus ao Brasil e pisando em solo australiano. Morrendo de medo e de excitação. Totalmente certa de que preciso fazer isso e incerta do porquê.
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Pois então veeeeenha dona Lu, can’t wait!
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Nat eu entendo o que esta passando, ser usuaria dessa droga nao e facil ne?! Amei o texto!!!
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Eeeiii sua linda, brigada! Sei q vc tbém é usuária… por isso tem essa vida tão interessante! Wanderluuuuust!! Bjão!
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Muito bom amore, vc e uma escritora talentosissima. bju
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Brigada lindona! Bjão!
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Muito bom amore, vc e uma escritora talentosissima, bju
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Po !!!! Ja estava assim,,,,,E nem sabia q era isto !!!!
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Adorei Nati!! Vc é mto talentosa nas histórias!!!
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Êêêêê Alemoa sua querida, brigadão mesmo pelo apoio de sempre, beijãozão amada!
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