Quanto vale a sua hora?

Aqui na Austrália os salários são mensurados por hora, no caso dos funcionários casuais, ou por ano, pra quem trabalha em turno integral ou meio período. Em geral, no universo dos labours (a galera que trabalha com os “subempregos”), quem ganha $15/hora tá batendo na mesma porta que um bando de chineses desesperados. Um emprego bom deve pagar ao redor de $20, dependendo da cidade.

A primeira vez que me vi pensando em quanto vale a minha hora foi quando meu marido cogitou contratar uma menina prá limpar nossa casa. Eu prontamente sugeri que, ao invés de pagá-la os $25 ou $30 por hora, eu mesma podia fazer a faxina. Pelo capricho que eu empenharia na tarefa, possivelmente demoraria mais, mas por $15 ou $20 eu topava. Acabou sim, consegui o job! A limpeza sobrou prá mim. Já o dinheiro, ficou com ele. Péssimo negócio, admito.

A segunda vez que me vi pensando no valor da minha hora foi num dia que eu estava trabalhando sob o mal estar medonho de uma ressaca filha da mãe. Naquele dia, eu quase propus pagar ao boss pra poder voltar pra casa…

O pagamento por hora, ao mesmo tempo que parece justo, também pode penalizar o funcionário. Pode acontecer de você estar precisando de dinheiro mas o movimento estar fraco. Em contrapartida, a cada final de semana ou feriado que você dedica à labuta, o pagamento por hora engorda. Nos feriados públicos a hora vale o dobro, como se eles dissessem: “a gente vai compensar sua ausência no encontro familiar com um pagamento maior”. Pros imigrantes que têm a família aqui, nem faz diferença. O bicho pega mesmo quando temos que abrir mão daquela viagem show com seus amigos e da experiência do intercâmbio.

Seguindo a lógica de pagar mais pra compensar aquilo que você está deixando de fazer, esses dias li uma história que ilustra bem o caso. Durante uma viagem, um homem se apaixonou por um quadro que ainda estava sendo pintado. Antes de voltar pra casa, ele propôs comprar a pintura, ainda que ela estivesse inacabada. O artista, ao invés de dar um desconto, acabou cobrando mais. A razão do preço inflacionado? Estavam tirando dele o prazer de exercer uma atividade com o qual estava se divertindo pacas. Ou seja, o valor da hora do artista estava diretamente relacionado àquilo que ele poderia estar fazendo…

Confesso que já me flagrei deitada em alguma praia paradisíaca de Sydney refletindo sobre quanto poderia estar fazendo de dinheiro ao invés de estar aproveitando a Austrália (muito embora no Brasil todas as manhãs me pegasse invejando o pessoal que corria no parque enquanto eu corria pra firma, sem alternativa). Num país onde a faxineira embolsa uns $25 por hora, melhor zarpar esfregar uns azulejos do que perder tempo se refestelando na areia.

O alto pagamento oferecido aqui na Austrália me fez repensar com o quê ando preenchendo meu tempo quando não estou trabalhando. Vale trocar $25 por uma conversa enriquecedora com um colega de cultura totalmente diferente da sua? Ou uma hora de trabalho monótono por um papo descontraído com alguém que fale a sua língua? E um trabalho tedioso por um livro que vai te fazer repensar a vida?

Talvez não valha a pena. Talvez a viagem dos sonhos que você está programando custe caro (ainda que você já esteja fazendo uma viagem). Talvez o trabalho não seja repetitivo e monótono, e custo financeiro de bancar a vida no exterior seja alto. É possível que você queira comprar um carro, uma casa, ajudar a família, fazer uma família… Talvez o próprio empregador não te dê opção.

Trabalhar de mais ou de menos é algo que só seus objetivos de curto e longo prazo e prioridades podem determinar. Para cada escolha, há ganhos e perdas. Por isso resta a cada um de nós descobrir do que estamos dispostos a abrir mão. Eu já deixei de explorar Nova York porque meu trabalho consumiu todo meu tempo lá. Com o pedido de extensão do visto negado,  acabei tendo que deixar o país com boas economias, mas arrependida de pouco ter aproveitado a grama fofinha do Central Park na primavera. Tentei me consolar pensando que ao menos vivi o autêntico estilo de vida americano…  

O pagamento por hora pode ter me ensinado um pouco sobre direitos e deveres dos empregadores, uma noção de impostos e algo sobre leis trabalhistas, mas as verdadeiras lições têm a ver com o tratamento que dou a esse bem tão precioso, porém limitado e cada vez mais escasso: o tempo. Foram esses os principais aprendizados:

– Nunca chegue atrasado, principalmente fora do Brasil: tempo é dinheiro, e no exterior ele vale mais.

– Há momentos, inclusive de ócio, que não são “monetizáveis”.

– Por fim, valorize cada centavo que você desperdiça vivendo.

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Terceiro texto da série Vida de Labour do blog Sua Conterrânea: pelo próximo mês, toda semana, um texto novo sobre emprego e carreira no exterior 🙂

Texto e imagem: Natália Godoy

4 comentários sobre “Quanto vale a sua hora?

  1. Paulo disse:

    Labours nao eh a galera que trabalha com os “subempregos” e sim a sua profissao. A maioria dos Brasileiros erram as palavras labourer com labour.

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