O dia que eu me senti uma completa imbecil na Austrália – sobre a incrível arte de se reerguer

Misto de frio na barriga com coração palpitante e sudorese acelerada… Dúvida se preferia ser sequestrada, abduzida, receber uma notícia ruim (ou as três alternativas anteriores) a estar ali. Não, não estou descrevendo cenas prévias a um salto de paraquedas nem narrando minhas reações diante de uma barata voadora. Esse temor acontece toda vez que preciso participar de uma simples… dinâmica de grupo. Alô alô, introvertidos!

Sem escolha, durante minha vida acadêmica participei de algumas dinâmicas de grupo. Acredito que me aperfeiçoei na arte de não demonstrar o desconforto interno que se passa em mim nos minutos que antecedem a atividade. Aqui na Austrália, a dinâmica mais constrangedora da qual eu já havia participado foi na festa de fim de ano de uma empresa onde trabalhei. Na brincadeira da qual eu fui voluntariamente obrigada a participar, levei um choque elétrico em público, o que não só eriçou meu cabelo – devidamente ajeitado pro evento – como também provocou umas boas risadas dos meus colegas. Nada como passar vergonha em público prá gerar um clima de fraternidade corporativa né?

A dinâmica mais marcante/traumatizante que fiz aconteceu há uns finais de semana. Não valia uma vaga de emprego nem visava integrar o pessoal da firma ou mesmo eletrocutá-los.

O Kane, meu marido, faz parte de um grupo de gestores que se reúnem todos os meses para falar dessas coisas de negócios. Naquele final de semana os organizadores marcaram uma sessão numa praia aqui perto de Melbourne, e os participantes deveriam levar suas parceiras.

Eu de cara já neguei o convite e comecei a listar os motivos da minha recusa, que foram desde não conhecer ninguém do grupo (mentira) até preferir ficar em casa assistindo vídeos de gatinhos fofos na internet (verdade). Vários outros fatores contribuíam prá que eu me sentisse um peixe fora d’água naquele ambiente: o fato de eles serem todos empresários bem sucedidos (e eu tentando viver da minha arte), eu ser a pessoa mais nova do grupo (31 com cabeça de 24, bochechas de 16 e energia de 83) e a única estrangeira (no visú posso até passar batido, mas ao abrir a boca o sotaque sempre entrega).

Olhando pelo lado positivo, a ocasião seria um tremendo convite para eu sair da minha zona de conforto e conhecer pessoas interessantes e bem-sucedidas – fora que todos os participantes são super legais mesmo. Também teria uma palestra sobre comunicação, um assunto pelo qual muito me interesso, aaaand hospedagem e alimentação gratuitas, numa praia fofíssima daqui da região. Pelo Kane, pela viagem, pelo rango livre: fui.

Chegando na palestra, me acomodei discretamente num cantinho da sala – algo que descobriria mais tarde ter sido uma péssima ideia. Rabisquei qualquer coisa no papel como forma de deixar claro que, mesmo que eu passasse maior parte do tempo calada, como havia planejado, estava acompanhando tudo. Mental e caligraficamente.

Eu era toda ouvidos, mas logo percebi que o palestrante queria muito mais do que só meu par de ouvidos atentos. Ele havia organizado um evento extremamente participativo. Cheio de atividades estilo… siiim: dinâmicas de grupo. Socorro.

Sendo tarde demais para desistir, participei das discussões nos pequenos grupos que se formavam, andei pela sala, me agrupei com outras pessoas e fiz tudo que nos instruíam, sempre acompanhada do meu sotaque, insegurança, uma pontinha de tensão e um tanto de ansiedade com o que estaria por vir. Pensando melhor agora, descubro que meu maior receio era de não entender as explicações e, ao não saber o que fazer, pagar um micão na frente daqueles homens de negócio todos. Medo de passar vergonha em público. Quem nunca? Eu sempre.

Exceto referências que fizeram a algumas personalidades famosas e programas de tv antigos, entendi tudo e acompanhei com facilidade o que se passava ao meu redor – afinal já são mais de 4 anos nessa Austrália, pensei eu. Minha tímida e frágil autoconfiança durou até que o palestrante (que agora prefiro chamar de recreacionista de executivos) propôs a última atividade.

 As instruções eram ditadas num passo a passo frenético que só me deixava ainda mais apreensiva: Copiar as palavras da lousa numa folha. Dobrar a folha em 8 quadrados. Recortá-los, empilhá-los, embrulhá-los. Distribuí-los. Em uma cartolina, escrever vários nomes que ele soletrava um a um (nem mesmo 4 anos foram suficientes pra que eu aprendesse as vogais).

Em seguida, ele leu uma história prá gente. Eu, que já tava nervosa com aquele paranauê todo, tentei prestar atenção na história através da voz dele ao mesmo tempo em que a lia no projetor. Acompanhei com ouvidos, olhos e cérebro até um determinado momento. Mas o cara estava lendo muito rápido. Assim, lá pela metade, me perdi no texto.

Tentei me achar, mas ele continuava lendo como se narrasse uma partida de futebol em modo fast forward. Procurei prestar atenção só nele, mas aí já haviam surgido novos personagens, tinha perdido o fio da meada e me atrapalhei de vez.

A história havia acabado, as pessoas da sala emitido um sonoro “wooooow”, e eu ainda procurando a parte da história a partir da onde deixei de acompanhar. Enquanto eu tentava retomar a leitura, ele já havia emendado uma explicação prá atividade seguinte. Não conseguindo prestar atenção nem na atividade nem no texto, o desespero tomou conta de mim.

Sem nem mesmo ter tido tempo de me recompor, o jogo começou na sequencia e adivinha quem daria largada na partida? Pois é, a pessoa menos habilitada para tal: euzinha perdidinha da silva.

Falei que não tinha entendido direito, tentei recapitular a história, ninguém teve tempo/interesse/empatia prá me ajudar. Mentira: tentaram me guiar sobre o que eu deveria fazer. Peguei a primeira palavra da minha pilha de cartas. Li. Reli. Li mais uma vez e, não adiantava quantas vezes a lesse, não saberia o significado dela – mesmo que soubesse, sem ter compreendido a história de antemão não teria como sustentar meus argumentos no jogo.

Finalmente alguém sugeriu a primeira rodada sem mim. Não sabia se abraçava aquela pessoa ou se lhe dava um tapa. Não fiz nenhum dos dois. Assisti à primeira rodada. O frio na barriga, coração palpitante e sudorese acelerada deram espaço a um misto de nervosismo e constrangimento. Mas precisava prestar atenção na sistemática do jogo, tentar entender a história e procurar o significado daquela palavra… Mas ao invés de fazer qualquer uma dessas coisas, meu esforço dedicou-se exclusivamente em dar a impressão de que não me importava em assistir ao jogo, mesmo que por dentro eu estivesse com a autoestima em migalhas.

Por mais tolo e infantil que tenha sido isso tudo, não ter participado da brincadeira representou minha exclusão não só da atividade, mas também confirmou que não pertenço àquele mundo. Com sorte, o tempo passou rápido. Depois de eu já ter entendido a história e o jogo. Antes que eu pudesse juntar meus pedaços.

Tudo que o palestrante falou dali adiante entrava por um ouvido e saia por outro. Já nem fazia questão de demonstrar interesse.

Mas sobrevivi. E me recompus.

Já até juntei meus pedaços, não na esperança de que eles nunca mais voltem a quebrar. E sim que, ao juntá-los tantas vezes, quem sabe um dia domine a árdua tarefa de me reerguer constantemente.

Espero que ao menos isso me torne mais resistente aos desafios que, com sorte, a vida seguirá me apresentando. Se não vierem em forma de dinâmica de grupo, tô dentro. Se vierem, também.  

Texto e imagem: Natália Godoy

23 comentários sobre “O dia que eu me senti uma completa imbecil na Austrália – sobre a incrível arte de se reerguer

  1. Marcia Bento disse:

    Nathy,
    Muito legal sua historia e é isso que significa: uma historia!
    Senti o seu desespero, e tambem dei risada imaginando a situacao toda em certas partes. Faz parte amiga!
    Se caso se encontrar numa situacao parecida, use toda essa sua simpatia e empatia para mostrar pra vc mesma que esta tudo sob controle, e que auto-confiança eh tudo!
    ????

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    • Patricia disse:

      Olá meninas! Vou dizer que é reconfortante ouvir esse relato de alguém que está aqui há quatros anos, porque estou aqui há um e fico me perguntando quando vou parar de sair do trabalho me sentindo uma estúpida…. Claro que existem os dias bons, os médios e os ruins…. Mas os ruins pesam e o sentimento é exatamente esse…. Chego em casa arrasada e fico repensando em quão ridícula devo ter parecido falando dessa ou daquela forma… Em dia de reunião então… Nossa mega difícil.
      Super empatizei com sua história, como ‘plus’: muito bem escrito! 🙂

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  2. Pri Chagas disse:

    Nath como vc escreve bem. Sua narração me fez entrar dentro da história. E é isso aí a arte de se reerguer. Que essa arte nunca termine.

    ❤️❤️❤️

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  3. Natália querida, que tenso hein? Sou uma q odeio dinâmicas de grupo, especialmente pq fico tão tensa que minhas orelhas esquentam, não consigo escutar o que estão falando e fico quase roxa de tão vermelha quando esta na minha vez de falar kkkkk. Era capaz de meu olho ter enchido de água no seu lugar kkkkkk

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  4. Marina D disse:

    Oi Nathi, tudo bem?
    Adorei teu texto! Me prendeu do início ao fim e eu consegui te enxergar nas situações hehehe realmente nao deve ter sido facil. Nao nos conhecemos pessoalmente mas podemos marcar uma dinamica de grupo para nos conhecer qualquer dia hahahaha to brincando! Só pra te dar os parabens pela superação e por esse degrau a mais que tu subiu. Se não fossem os desafios, que graça teriam as conquistas? You go girl! Beijos, Marina.

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  5. Flavia Zilet disse:

    Muito legal! Agora percebo que isso não acontece so comigo e bom saber que outras pessoas também passo pelo mesmo e reagem como você, com bom humor para escrever uma história como esta . Eu estou aqui a mais de 4 anos também e me sinto assim toda vez que tem um treinamento da empresa aonde eu trabalho, meu marido ja acostumou a me ver chegar em casa chorando rs. Outra vez que acontecer vou lembrar da sua história e isso ajuda muito! Bjo

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    • Nossa Flavia, se sentir mal é mais comum do que você imagina, esse texto despertou uma série de relatos de outros brasileiros que vivem situações similares às nossas. Tamo tudo nesse mesmo barco desgovernado, me disseram hehe. Com o tempo, as coisas melhoram. Só precisamos continuar indo lá e fazendo nossa parte. Bjão!!

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  6. Dulce Gabriela disse:

    Qndo crescer quero escrever que nem você!
    Mergulhei no teu relato e relembrei o tanto de vezes que o mesmo aconteceu comigo…la se vao 22 anos!!! Imagina os perrengues? A bochecha vermelha d vergonha, raiva e disappointment pessoal? Mas aos poucos, a cobranca pessoal, as expectativas vao se abrandando, se acomodando e voce comeca a ver que faz parte do aprendizado, nao so numa outra lingua em si mas sobre a si mesma! De-se credito, é merecido! Aprender uma coisa nova, sempre tem suas dificuldades! E vamos combinar, ingles é uma “buesta” pra aprender! Da proxima vez, imagina todo mundo nu, dica que funciona, de um professor meu aqui na Aus!

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    • Hehehe, com sorte o pessoal era gente finíssima Dulce (nem precisei imaginá-los nús), o problema era justamente isso que vc mencionou: cobrança pessoal e expectativa prá me enquadrar. Sobre a escrita, você é uma querida. Brigada e beijãozão!!

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  7. Lu disse:

    Passei por algo parecido numa dinâmica para conseguir uma vaga de Christmas Casual na Haigh´s. Sobrevivi pra juntar os pedaços da minha autoestima que se estilhaçou quando percebi que a dinâmica havia acabado e eu mal havia pronunciado três palavras. Saí mais forte e acabei passando por dinâmica muito mais complexa, na Myer. Não apenas me reestruturei, mas me tornei mais confiante. Foi aprendizado, foi descoberta. E, principalmente, percebi que preciso amadurecer pra ouvir e aceitar quando o íntimo diz “não”. Não precisamos estar sempre prontas pro desafio, muito menos não corresponder às expectativas que nos impusemos significa que fomos mal sucedidas. Eu imagino o que você sentiu, como tímida que também sou. Às vezes essa camada esconde o melhor que existe em nós. Você só não deu o privilégio da oportunidade pros executivos te conhecerem, coitados. Perderam uma chance. Eu te conheço e sei o quanto você é brilhante. Você é muito mais do que você pensa que é. E eu sou privilegiada por ter a sua amizade. ❤

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    • Ôôôôô Luuuuu… sempre tem a palavra certa eihn… Ô sorte a minha! Brigadão amada, por compartilhar tua experiência. Não deu Haigh’s mas tá aí arrasando por onde passa. QUE ORGULHO, minha amiga!

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  8. Pollyanna Diniz disse:

    Nossa, eu passei a aflicao daqui, minhas maos ja tavam comecando a suar…parecia que era eu!! Ser em Ingles eh um problema secundario…essa pressao da dinamica eh que me mata 😦

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  9. disse:

    Que texto meus amigos… que texto!! haha
    Acho que todos os ansiosos/tímidos sofreram junto enqto liam kkkk
    Impossível não me identificar e pensar que ano que vem, quando estiver aí, vou passar por coisas parecidas. Melhor já ir me preparando =)
    Parabéns, Natália. Adoro seu blog. seus textos são muito bem escritos!

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