Sobre pepecas cheirosas, chaleiras elétricas e caminhos sem volta

Minha implicância com máquinas de lavar louça começou quando vi meu sogro limpando pratos e talheres antes de jogá-los dentro dela. A rotineira lida do lar dele confirmou a teoria que eu ouvira há anos da minha mãe, que versava sobre a inutilidade dessas máquinas. Segundo sua sabedoria, a limpeza prévia das louças representa trabalho redobrado. 5 anos depois e não sei mais viver sem ela (a máquina).

Depois veio o espremedor de alhos, a maquininha que milagrosamente transforma um dente de alho em migalhas, um ato humanamente impossível a olho nu senão com uma faca japonesa e precisão de um caçador de pássaros. Mas de todas as invenções da modernidade, nenhuma é melhor do que os lencinhos umedecidos. Começaram inocentes, limpando bundinha macia de bebê, e hoje o arsenal vai desde lenços que eliminam graxa das churrasqueiras dos tiozão até os que removem sebo de peles oleosas de jovens na puberdade. Removem desde óleo sebáceo até gordura animal. Estão na mão de assadores e na bunda de crianças assadas.

Primo dos lenços infantis, há os lenços de limpeza íntima feminina. Seja para dar aquele banho de gato pré-depilação ou antes de encontrar o crush, foi uma invenção igualmente óbvia e controversa (afinal esses lenços sugerem que pepecas sejam sujas ou lhe conferem a liberdade de serem enxaguadas entre um sexo casual e outro?).

Revolucionário mesmo foi o lenço umedecido que substitui o pano. Esse frequenta locais menos polêmicos do que orifícios humanos, como pia de cozinha, portas de armários, estantes empoeiradas e mesas de jantar. Acredite: é só ter um desses na mão que a vontade de limpar não acaba até que ele esteja completamente inutilizável. Sua curta (porém produtiva) vida termina quando ele passa pelo chão. Privada também, é certeza de que o lenço-pano teve uma vida útil bastante útil. Enquanto a mulherada discute se devemos abençoar ou demonizar o lenço-pepeca, eu prefiro vangloriar as beneficies do lenço-faxina. Não precisar lidar com aquele trapinho velho empoeirado nem catar cabelinhos nele é o que há de mais libertador dessa vida de gente moderna. E, ao contrário dos paninhos íntimos, não é preciso ser portador de uma vagina para utilizá-lo.

O microondas é a representação máxima desse aparato de coisas modernas que a gente não sabe como viveu sem. Resolvem a vida de qualquer adolescente apressado, solteiro cansado e mãe que sabe dos babado. Aqui na Austrália conheci o tal do kettle, uma chaleira elétrica que ferve a água em questão de 1 ou 2 minutos. Minha vida nunca mais foi a mesma. Dos choques culturais que sofro quando visito o Brasil, ter que “guardar” o papel higiênico usado já nem é mais o pior deles. Mas ver o pessoal ligar o fogão pra ferver água é algo com o qual não consigo me conformar depois que fui apresentada ao “kettle”. O Brasil que eu quero é o das chaleiras elétricas.

Fogo, aliás, virou coisa de homens da caverna desde a introdução de fogões elétricos, por indução e vitrocerâmicos (ou seria tudo a mesma coisa?). Porém nada disso foi capaz de reduzir a chama da paixão fervorosa que muitos mantêm pelo fogo e sua capacidade de fazer as melhores comidas – uma exceção que só confirma a regra.

Nesse mercado fervoroso de oportunidades de negócio, é claro que seriam lançadas uma série de parafernálias inúteis. Aqui em casa tenho uma máquina de 4 andares para cozinhar vegetais no vapor. Ela ocupa metade da minha cozinha e seria útil se tivéssemos ao menos 5 bocas vegetarianas a alimentar. Falando em vegetarianismo, já viram as claras de ovo em garrafa? Falando em bicho, uma amiga esses dias tentava me convencer a comprar um alimentador automático para gatos. Meu sentimento com relação a essa esquisitice começou em “cúmulo da preguiça”, passando por “quero” e concluindo que “preciso”.

Teve uma época em que tínhamos que levantar para mudar o canal da TV, abrir manualmente as portas dos carros, rebobinar a fita com caneta e ligar o computador para “entrar” na internet. Naquele tempo a gente era feliz. O problema é quando a gente experimenta o novo. Por isso me nego a fazer test drive em carros que nunca irei comprar, tirar foto com iPhone mais moderno do que o meu ou aplicar cílios postiços. São caminhos sem volta.

Texto: Natalia Godoy – Imagem: Chloe Si 

6 comentários sobre “Sobre pepecas cheirosas, chaleiras elétricas e caminhos sem volta

  1. Carolina disse:

    Bela analogia! E sim, a Austrália faz isso com a gente 😅 Quanto aos lenços umedecidos, me preocupa um pouco quanto à questão ecológica…

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  2. Eu sou sua fã declarada e mostro seus textos, stories, fotos para TODO MUNDO! Simplesmente formidável seu texto, o novo que vai ficando velho, como podemos nos tornar “dependentes” de coisas que ainda não temos e como sobrevivemos até hoje sem todos os aparatos mais modernos no mercado e que ainda serão lançados! Nunca perca seu bom humor, seu humor ácido e debochado! Eu admiro muito vc, seus textos, seu trabalho, sua vida de motorista na Austrália, ser mãe de gatinhos e seu amor pelo marido (amei seus posts sobre a história de vcs!!). Um beijo, Thais

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